Uma garagem, um retrato do bairro. Uma
colecção de objectos perdidos, fruto da árdua e contínua recolha que ocupa o
dia-a-dia do dono de uma garagem do Bairro da Liberdade. Com alguma idade, este
senhor reconstrói ou simplesmente aproveita o que encontra para criar novos
utensílios, fornecendo-lhes uma nova vida.
Quando se passa pela garagem, fechada,
nem se repara. São apenas mais uns portões azuis, iguais aos restantes
espalhados pelas ruas. Quando se abrem, ouve-se de imediato o som da rádio que
nos encaminha automaticamente para lá ou, pelo menos, faz-nos olhar. “É a sua
garagem? É tudo seu?”, foram as primeiras perguntas que fizemos ao senhor
Armindo, que de forma tão entretida escolhia um dos milhares de objectos para
trabalhar naquele dia. Parece uma sucata. Dentro de uma só garagem, que pertence a uma só
pessoa. É inevitável não sentir vontade de entrar, ver cada objecto e ver até
onde vai, quando acaba; visto que os objectos amontados vão até ao tecto, sem
se perceber a profundidade da garagem.
Cada objecto, uma história, um sítio,
uma pessoa. Naquele espaço há um mundo inteiro a descobrir. Leva-nos a viajar
até às origens do bairro. A recuperar as propriedades intelectuais de cada
objecto, tal como o senhor Armindo também o faz, mas sem se aperceber. Palavras,
sons, cheiros, cores, formas e texturas. À primeira vista, é um repositório desorganizado mas, na verdade, trata-se do arquivo deste respigador, onde guarda a história do bairro. Uma autêntica metáfora do Bairro da Liberdade: cada coisa
remete-nos para o seu passado, o seu estado actual e, quem sabe, um futuro
melhor, reaproveitado e reconstruído, tal como as milhares de peças daquela
garagem.
Uma aproximação à vida do senhor Armindo,
da sua garagem e do que o rodeia. Entender o porquê da sua colecção, da sua
necessidade de dar vida a algo que aparentemente é lixo, a coisas que são
memórias e histórias dos outros que já não são procuradas, e da forma como
examina cuidadosamente cada objecto. Uma análise da garagem, enquanto objecto
singular constituído por vários fragmentos do bairro.
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