Les Glaneurs et la Glaneuse


ACT #06: Os Respigadores e a Respigadora


Les Glaneurs et la Glaneuse da cineasta belga Agnès Varda é um estudo sobre a vida francesa, num aspecto particular. A realizadora investiga o porquê da preocupação dos respigadores em recuperar objectos inutilizados (muito diferente de "inúteis"). Parte das primeiras respigadoras, aquelas que procuravam espigas deixadas pelas máquinas agrícolas nos campos já ceifados, de forma a evitar o desperdício, actividade esta que foi retratada por pintores como Jean François Millet (como se pode ver na imagem), para chegar ao estudo intimista dos respigadores do ínicio do século XXI.

Ao longo do filme e do percurso longo de Agnes, que se percebe pelas várias viagens que faz de carro, ela conhece pessoas que reutilizam coisas que à partida são vistas como lixo, seja por necessidade de aproveitarem esses objectos, seja por gosto ou até mesmo pelo valor moral. Desde comida que já passou o prazo de validade, a produtos agrícolas que não são suficientemente “bonitos” para se vender, a objectos decorativos, bijuteria, entre muitos outros.

Em primeiro lugar, e tocando neste que é o tema central do documentário, acabei por concluir que o desperdício é algo que já se tornou tão comum que se atravessa à nossa frente todos os dias sem repararmos. Seja uma folha de papel que deitamos ao lixo porque imprimimos algo mal, a água que fica a correr enquanto lavamos os dentes, a comida que sobra nos restaurantes ou até mesmo no nosso prato porque tivemos "mais olhos que barriga" e ficámos cheios… Felizmente, começam a surgir respigadores que recolhem aquilo que parece ser “lixo” para ajudar outras pessoas. Um exemplo é a ReFood, uma associação que visa combater o desperdício de comida dos estabelecimentos de venda de produtos alimentares para dar a sem-abrigos e famílias necessitadas. Outro exemplo são as pastelarias que têm dado os seus restos para nós, alunos da Faculdade de Belas Artes, podermos comer mais qualquer coisa sem gastar dinheiro. E posso referir também as inúmeras feiras e lojas de produtos em segunda mão que se fazem todas as semanas.

Por outro lado, este filme remeteu-me para um senhor que eu e o meu grupo conhecemos no Bairro da Liberdade. O Senhor Manel recolhia objectos das outras pessoas para os arranjar. A garagem dele parecia o caos, um autêntico caixote do lixo, mas para ele todos os objectos podiam ser reaproveitados. Ainda no bairro, conhecemos outro senhor que tinha uma oficina e restaurava objectos. Mostrou-nos um carrinho de mão, que após recuperado, parecia acabado de comprar, e um triciclo com dois bancos que, segundo disse, fez para ir buscar os filhos à escola. Lembrei-me também do sofá que tenho no meu quarto, que eu e a minha mãe encontrámos no lixo e bastou limpá-lo, remover o tecido e estofá-lo de novo para ficar impecável!

Este documentário fez-me reflectir em relação à quantidade de coisas que compramos quase todos os dias e que duram por vezes muito pouco tempo. Ou porque deixamos de gostar, ou porque deixa de funcionar, ou porque já não serve. Tudo devido à velocidade a que o mundo anda actualmente, às influências, tendências e modas. Que valor têm as coisas? - pergunto eu. Os respigadores são combatentes nesta luta mas, infelizmente, não são os que estão em maioria.

A própria Agnès é uma respigadora que, ao pegar pela primeira numa câmara digital - tornando o seu filme meramente amador -, recupera as respigadoras representadas por Millet, registando os respigadores de 2000. A forma como a cineasta faz o retrato de França fez-me pensar no mergulho que demos no bairro e na forma despreocupada com que andámos a falar com as pessoas e até as filmagens que fizémos com o telemóvel no autocarro 702 a caminho do bairro.

Para concluir, este filme, para além de pertinente e oportuno, foi muito introspectivo. Deviamos todos ser menos consumidores e mais respigadores. Já que é inevitável que haja consumo, há que evitar ao máximo o desperdício. Este documentário levou-me a questionar qual o nosso papel enquanto artistas e designers na reaproveitação, renovação e reutilização daquilo que aparentemente é lixo.


Agnès Varda com a sua câmara digital

Respigadores do Bairro da Liberdade

1 comentário:

  1. "é um estudo da vida francesa" sobre a vida (num aspecto particular...)
    remover o tecido e estufá-lo de novo (estofá-lo. estufar é o que se faz à carne estufada...)

    para além destes reajustes, o texto está bastante bem elaborado e não ficamos só pelo comentário/relato do filme

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