Ruínas | Berlin | Fantasia Lusitana

ACT #07: Aprender a fazer



Certamente que a melhor forma de mostrar um local ou algo a alguém, é levar essa pessoa a conhecer presencialmente o objecto ou lugar em causa, de forma a não haverem distorções da realidade. No entanto, isto nem sempre é possível. E, por este motivo, Manuel Mozos, Walther Ruttmann e João Canijo, conduzem-nos em três "viagens" diferentes, correspondentes a três filmes diferentes, nos quais tentam ser o máximo imparciais possíveis. Mostrando-nos os registos que fizeram, nus, crus, despidos de qualquer interpretação pessoal deles, sem terem feito praticamente edição posteriormente, para além de juntar todas as filmagens feitas.
O filme de Manuel Mozos, “Ruínas”, é um filme bastante parado, no sentido em que as filmagens que vemos das ruínas e locais abandonados tornam-se quase fotografias. Numa altura ou outra, para introduzir ou descrever o lugar, são narrados, por diferentes pessoas, textos, poemas, frases; mas no resto do filme o som que se faz ouvir é o som dos registos que praticamente não têm movimento, são estáticos, ou alguns ruídos que nos sugerem algo que existe naquele lugar, como o som do comboio, o som dos prédios a desabar ou das gaivotas. De vez em quando o vento faz abanar uma planta ou vê-se o movimento das ondas do mar. Pouco mais. Mas os registos visuais dão-nos tempo suficiente para observar detalhadamente cada pormenor, exatamente por serem simples, calmos e nada confusos ou movimentados. A importância é dada às ruínas, essas sim são as personagens principais. E, deste modo, não pude deixar de relacionar este documentário de Manuel Mozos com as ruínas do Bairro da Liberdade, que também são muitas vezes as protagonistas nas nossas fotografias e vídeos do bairro.
Em “Berlin”, de Walther Ruttman, apesar da inexistência de som e cor, as filmagens remetem-nos para ruídos, tornando quase desnecessária a presença do som dos registos. No entanto, o filme é como se fosse uma sinfonia, na qual a intensidade dos instrumentos vai variando. A rotina da cidade é-nos apresentada através de sons que se ouvem, apesar de não existirem. A industrialização, o barulho das máquinas, dos transportes, o fumo, a loiça, os diversos desportos e espectáculos. Por outro lado, este filme remeteu-me para a “Ode Triunfal”, de Álvaro de Campos, um poema carregado de som que também não se ouve, mas que está representado nas onomatopeias e descrições. As “rodas” e os “maquinismos” e o foco na civilização industrial, são pontos em comum com o documentário de Walther Ruttman.
Por último, em “Fantasia Lusitana”, de João Canijo, começamos por ver imagens e vídeos históricos, emoldurados por uma moldura preta, que nos remetem para a ditadura salazarista que se viveu em Portugal no século XX, que coincidiu com a altura da Segunda Guerra Mundial. No entanto, a certa altura, um narrador entra no filme. A voz deixa de ser portuguesa para ser alemã e, para além de uma voz, é também a visão estrangeira em relação ao Portugal da época. Exactamente por não ser um português, está mais capacitado para criticar o que está mal no país, bem como apontar os aspectos positivos que também existiam. Apesar do mundo estar em guerra, Portugal está aparentemente em paz e era essa serenidade que chamava à atenção às pessoas de fora. E este filme retrata muito bem o contraste entre Portugal e o resto do mundo. No entanto, ao contrário do que o narrador, tal como os restantes estrangeiros, viam em Portugal, Portugal não estava em guerra com o mundo mas em guerra com ele próprio.
Para concluir, e relacionando com o projecto que estamos a desenvolver no bairro, estes documentários pareceram-me bons pontos de partida e inspiração para fazermos o nosso próprio filme sobre o Bairro da Liberdade. O nosso objectivo é transmitir a essência do bairro, mesmo que seja através de um pormenor, dos seus sons, de imagens paradas. Após visualizar estes três filmes, senti a necessidade de filmar o bairro (neste caso a Garagem – objecto de estudo em que nos decidimos focar), em várias alturas do dia, de vários planos e distâncias, de forma a que o espectador entenda, da melhor forma e imparcialmente - quase como se fosse uma visita guiada -, o que é a Garagem, aquela em particular.

1 comentário:

  1. a estrutura da tua recensão atira, obrigatoriamente, para o final com a articulação com o filme do bairro. e, por isso, ela fica remetida para pouco mais do que era sugerido no breefing. podia ser mais dirigida.

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