Conversa com Catarina Vasconcelos


"Tenho mais dúvidas agora do que quando estava no 1º ano de faculdade", introduziu. Fiquei entusiasmada, curiosa. Captou-me. Queria ouvir mais e saber mais. Talvez por ser uma pessoa que não conhecia, talvez pela introdução que fez, talvez pelo projecto que realizou e que eu já conhecia, de forma muito breve. 

O primeiro dos dois bairros que falou foi o Bairro 6 de Maio. Numa perspectiva pessoal, o Bairro 6 de Maio é, desde sempre, o bairro ao lado da casa dos meus avós e que me fez ouvir tiros durante uma noite que dormi na casa deles. O bairro onde vivem os meninos a quem dou catequese na paróquia da Damaia. O bairro onde eu passo de carro mas nunca visitei a pé por dizerem que é perigoso. O primeiro bairro que me veio a cabeça para trabalhar quando os professores falaram no projecto CityLab, exatamente por toda a mística e desconhecido que sempre senti que havia ali por descobrir.

A Catarina transmitiu-nos a sua vivência no Bairro 6 de Maio de uma forma muito singular e notou-se que foi um projecto que gostou muito de realizar. Todas as fotografias contavam uma história e faziam-me começar a imaginar o que teria acontecido naquele momento, do que estavam a falar... Toda a construção do bairro era "orgânica", a cada dia surgia algo e a degradação era algo que saltava logo aos olhos de qualquer um. Clandestinidade é a palavra certa. Não só em relação às construções mas também ao tráfico de droga. Tal como o Bairro da Liberdade.

Ela própria disse que se envolveu com o bairro, na intimidade das pessoas. Chegou a dormir lá! A fazer amigos, a ir a aulas de "semba"... Mas, recuando, disse-nos que a primeira grande relação foi quando a entrançaram, ou seja, quando as meninas lhe fizeram tranças no cabelo. A Catarina disse que doeu mas valeu a pena. Disse que o bairro se vivia na rua, porque as casas eram muito pequenas para conviver lá dentro. Falou das senhoras que oferecerem maçarocas de milho, por quem eu tantas vezes passo de carro! Disse que os homens iam para o café beber copos e as mulheres eram as donas de casa. E não podia ser de outra maneira.

Ela e as duas colegas do projecto comunicavam por cartas. Tudo lhes tocava tanto que era mais fácil falar assim, a escrever. E surpreendeu-me o diário de campo dela. Todos os textos e desenhos simples e organizados. "Também quero", pensei. "O tempo lá é diferente", disse ela. Disse que não se sentia capaz de julgar fosse o que fosse. Nem o tráfico de droga, nem os tiroteios... Era outro mundo, outra vida. Ela é que se tinha metido na vida deles, no mundo deles. Pintaram uma rua - a Rua da Alegria - com cores vivas e ao gosto das crianças e adultos que ajudaram. E os números das portas também foram pintados à mão! Tal como no Bairro da Liberdade!

De seguida, mas menos tempo, falou do Bairro do Armador. Confesso que o entusiasmo que tive não foi o mesmo. Mas quando vi o projecto que fizeram com as crianças, o espectáculo a projectar imagens delas, como convite a uma visita aos países criados por elas, foi fantástico. Que ideia tão simples mas tão boa!

Depois de ouvir e falar com a Catarina fiquei com uma vontade ainda maior de ler todo o livro do Projecto EVA. Foi, sem qualquer dúvida, uma conversa muito enriquecedora para o trabalho que estamos a desenvolver com o nosso bairro e motivante para o curso. Senti que o design não é nada se não houver interacção com outras pessoas, de outras culturas, com outras formas de ver e viver o mundo. Identifiquei-me com tanta coisa que ela disse mas ao mesmo tempo apeteceu-me ir à procura de muito mais. Apeteceu-me ir logo ao bairro falar outra vez com as pessoas. E ficar lá.

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