Um pato? Um pato morto? Um pato morto com
laranjas? Mas
porquê? Esta foi a minha primeira reacção quando soube que teria de desenhar um
pato morto, sem penas, sem cabeça, sem patas, com laranjas. Depois, lembrei-me
das naturezas mortas. Com o objectivo de chegar ao meu limite ao fazer algo que
nunca faria se não tivesse mesmo de fazer, arrisquei para poder tirar as minhas
próprias conclusões.
Mas porquê um pato em vez de um frango ou
um coelho, por exemplo? Creio que é porque existe o conhecido prato “pato com
laranja”. Numa primeira fase, fui pesquisar fotografias deste prato para
perceber como deveria colocar as laranjas. Optei
por cortar uma em rodelas e por partir outra ao meio. Depois tirei o pato da
embalagem. Um pouco enojada, confesso, coloquei-o no prato e dispus os pedaços
de laranja à volta, três pedaços de cada lado. A faca prateada que usei para
cortar as laranjas pus num dos lados do prato.
Muitos pontinhos. Foi
o que vi. Toda a pele pálida, fria e rugosa do pato estava cheia de poros. As
pernas, duas formas meio ovais com o osso bem visível, lembravam-me as pernas
de frango assado que habitualmente como. No meio das pernas estava uma
quantidade de pele enrolada, como se tivesse sobrado, e um
buraco. Um pequeno rasgão na pele, mostrava a cor da carne do pato, mais rosada
e escura que o rosa esbranquiçado do seu exterior.
Um mosquito pousou-se no pato. “Que
nojo”, pensei. Tudo
me repugnava enquanto tentava passar para o papel o que estava a observar.
Concentrei-me nas laranjas. Bem melhor.
Tentei que fosse rápido, por sentir
moralmente incorrecto o que estava a fazer. Não por ser vegetariana, porque
como carne, mas porque estava a usar um “ser vivo morto” para produzir um desenho.
Como conclusão desta experiência, sei que o
pato vai ser cozinhado, mas também sei, com certezas, que não sou eu quem o vai comer.
Fotografias por Sofia Pêga
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