Fui surpreendida
por um conjunto
de objectos em cima da mesa:
uma faca,
um prato de plástico, um guardanapo e uma fita para o cabelo.
Colocámos a fita na cabeça, de modo a
ficarmos com os olhos vendados. Em
cima do meu prato, um objecto. “Namorem
com ele”. O desafio era que,
através da exploração do cheiro e sabor e com o uso do tacto e da audição,
percebêssemos de que objecto se tratava e o pudéssemos conhecer melhor.
Ouvi o barulho do objecto a ser
posto no prato. Sólido, relativamente grande e pesado. Comecei a mexer nele e
conclui que era uma laranja
devido à sua textura - macia com pequenas concavidades - à sua rigidez externa,
ao cheiro cítrico inconfundível e à sua forma esférica imperfeita. Senti o
talo, áspero e facilmente deformável.
Destapei
os olhos e pensei “Estava certa!”. Decidi de
imediato que teria de pegar na faca para saber como seria a laranja por dentro.
Dividi-a em duas partes, com
espírito de descoberta, como se fosse uma criança que estava a mexer numa
laranja e a
ver tal fruto pela primeira vez. A casca tinha uma espessura com cerca de 3mm, branca
por dentro e cor-de-laranja por fora (embora, em algumas zonas, mais amarelada)
e era tão brilhante que parecia ter sido vidrada ou envernizada.
O cheiro
começou a sentir-se cada vez mais com a libertação de repuxos de sumo,
provocados pelo aperto da fruta.
Rapidamente o sumo começou a
escorrer-me pelas mãos, que ficaram peganhentas por ser um sumo doce, mas eu
não me importei, só queria conhecer aquilo que era uma novidade para mim.
Parti-a em pedaços mais pequenos e provei. Saboreei atentamente,
ainda com
mais atenção do que observei ou cheirei ou tacteei.
Três trincas por gomo.
Lembrei-me de uma pessoa
que adora laranjas e senti que,
naquele momento, gostei
muito mais deste fruto do que essa pessoa alguma vez gostou. Talvez
porque nunca
tenha realmente conhecido
uma laranja; e eu
estava a conhecer.
Era doce,
mas não tanto quanto estava a espera - provavelmente porque tinha elevado as
espectativas por parecer tão apetecível. No
centro da laranja, havia um
conjunto de quatro gomos pequenos, provei-os também mas esses então deixavam
mesmo muito a desejar porque nem eram tão doces quanto os grandes.
Mas não deixou de ser apaixonante. Para
terminar, desfiei uma parte da laranja para perceber a espessura da pele dos
gomos. Era muito fina e delicada, ligada por uma espécie de “veias” brancas.
Finalmente percebera o que era uma laranja,
no mais puro dos sentidos. Tinha vontade de falar com ela e tratá-la por “tu” -
a “Laranja”, com “L” maiúsculo.
E eu estava tão entusiasmada em conhecê-la e ao mesmo tempo registar tudo o que
ela me tinha dito, que sujava a caneta com o seu sumo e pingava a folha com o
seu doce sabor.
No fim, o prato ficou sujo e a Laranja
completamente desfeita e nada apetecível, ao contrário do seu aspecto inicial.
Fotografias por Sofia Pêga
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