ACT #02: O Cozinheiro, o Ladrão, a Mulher e o seu Amante
Trata de
temas bastante comuns - os vícios do Homem e o mau uso do poder -, este que é
um filme de Peter Greenway,
realizado em 1989. Tem como personagens principais as presentes no título - um
cozinheiro, um ladrão, a sua mulher e o amante dela. Acontece num restaurante,
Le
Hollandais,
que se confunde com um palco de teatro, logo desde o início, com a abertura das
cortinas, que se repetirá no fim. São-nos apresentados sete banquetes,
identificados por menus do restaurante e os dias da semana que nos guiam
cronologicamente durante a história, ao longo de nove dias.
Em suma,
este filme conta a história de Georgina, que apesar de ser mulher de Albert
Spica,
um criminoso, tem um amante, Michael, e encontra-se com ele no restaurante, com
o consentimento de Richard, o chef
de cozinha francês. No entanto, a história é, sem dúvida, um ponto pelo qual o
realizador não se preocupa muito. Ele pretende inclinar-se mais sobre a
composição do plano cinematográfico.
É evidente
que o filme foi realizado num registo muito dramático, o que se justifica não
só pelos cenários e organização do tempo, mas também pela representação das
personagens, nomeadamente no que diz respeito ao guarda-roupa. A relevância das
cores e a sua presença marcante em cada sítio são notáveis: a cozinha marcada
pelo verde, a sala pelo vermelho, a casa de banho era essencialmente branca, a
livraria e o hospital apresentavam um tom amarelado e o estacionamento do
restaurante era azul. E, curiosamente, a cor das peças que as personagens
principais usavam variava consoante o local onde se encontravam, a título
exemplificativo, o vestido de Georgina. A sala, caracterizada pela luxuria,
requinte e vaidade, estava decorada com Naturezas mortas - uma delas, de patos
mortos, no centro da mesa.
É um
filme com o objectivo principal de criticar a violência (chegando mesmo ao
canibalismo), o sexo e a comida, enquanto vícios do Homem (associados também a
pecados como a inveja e a luxuria), bem como o uso exacerbado do poder,
representados, de forma visível, por Albert
Spica,
e através da criação de um ambiente grotesco, carregado de contrastes e
passível de ser visualmente provocador.
Como conclusão,
e, desta vez, fazendo uma ligação ao projecto que se encontra em
desenvolvimento - O Sabor da Laranja - este filme desafia-nos, de facto, uma
vez mais, e abre-nos os olhos àquilo que pode ser incomodo mas que, por outro
lado, nos faz progredir. Talvez o importante não seja a história em si, mas sim
a forma como ela é representada, mesmo que não se aproxime muito da realidade.
Talvez não deva preocupar-me tanto em representar a laranja da forma mais
perfeita possível mas sim representá-la como ela é para mim. Tal como Peter Greenway
fez ao criar um código cromático no filme, que, obviamente, foge à
realidade. Tanto o visionamento do filme, como a representação do pato morto (que
relaciono
com os
patos a serem depenados pelo chef, com
a
natureza morta no centro da mesa
e com o “Paté de Canard Sauvages aux Fois Gras
au Croûte”, prato incluído na
ementa de “Le Hollandaise”),
para
mim foram actividades impactantes e, diria até, perturbadoras. Talvez no bom
sentido.