Objectos de Desejo - Imagens de Progresso


Adrian Forty é historiador de arquitectura e dirige o mestrado de História da Arquitectura na University College London. Com os seus livros, pretende alterar e enriquecer a forma como pensamos e falamos de arquitectura e design. O livro Objectos de Desenho, de 1992, não é excepção. Nele o autor expõe a sua investigação sobre vários conceitos nestas áreas, bem como a sua relação com a sociedade e a ciência. Nesta análise radical sobre o design e sua relação com a sociedade, Adrian Forty defende que o design é usado pelas sociedades para expressar os seus valores. Faz uma análise da aparência dos bens de consumo nos duzentos anos que se seguiram à introdução da produção mecanizada, com exemplos que vão desde um rádio até uma máquina a vapor.

No primeiro capítulo, Imagens de Progresso, o autor incide sobre o tema do progresso. Apesar de todas as vantagens que o progresso pode trazer, este pode ser uma experiência “dolorosa e perturbadora”, por trazer situações inesperadas, às quais não estamos habituados. As nossas reacções podem tanto ser positivas como, por vezes, ao confrontarmo-nos com o progresso, este “impõe a perda de coisas que valorizamos” e obriga-nos a adaptarmo-nos e ajustar-nos a algo que para nós é desconhecido. E, neste caso, muitas vezes tendemos para resistir. Os temas a que Andrian se refere fazem remeter para várias situações da actualidade. 

Primeiramente, o conteúdo deste capítulo pode ser facilmente comparado com a nossa atitude perante o progresso e a forma como as marcas e, por sua vez, o design, tentam solucionar o impacto negativo que determinadas mudanças possam criar. Muitas vezes somos obrigados a aceitar novidades indesejadas, que o design acaba por atenuar e fazer com que nos habituemos. A título exemplificativo, os touch screens que hoje tão vulgarmente usamos, não foram algo que desde o início tivesse sido recebido de “braços abertos” pelas pessoas. Recuando a 1971, quando se deu a primeira implementação de uma tela sensível ao toque, criada pelos engenheiros do CERN Frank Beck e Bent Stumpe, podemos perceber que esta tecnologia demorou mais de 30 anos a ser implementada e aceite na sociedade. O primeiro produto desenvolvido foi o computador HP-150 lançado em 1983 e o primeiro aparelho telefónico com função de toque foi o IBM Simon de 1993. No entanto, apenas em 2007, quando foi lançado o iPhone, é que o touch screen se popularizou. Ainda assim, nos primeiros anos foi notável a resistência das pessoas, por estarem habituadas às teclas e acharem que o “toque” no ecrã era demasiado sensível para se poder usufruir de uma boa utilização. É por este motivo que, até hoje, tem havido uma proliferação gradual do touch screen por todos os dispositivos que podemos imaginar - desde telemóveis, a tablets, a computadores e até mesmo televisões.

Em segundo lugar, “o sucesso do capitalismo sempre dependeu da sua capacidade de inovar e de vender novos produtos”. No livro, o autor dá como exemplo o rádio. As transmissões começam na década de 1920 e este objecto era um enorme conjunto de resistores, fios e válvulas, que fazia, obviamente, as pessoas “desconfiarem” e ficarem reticentes em relação ao seu uso, por ser um objecto esteticamente tão agressivo. Como solução, entre 1920 e 1930, surgem três diferentes soluções para que houvesse mais adesão ao rádio, apresentando-o de uma maneira totalmente diferente, mais “agradável” e tendo em conta aquilo a que as pessoas estavam habituadas. A primeira solução foi alojar o aparelho numa caixa que se parecesse com uma peça de mobiliário antigo; a segunda era esconder o rádio numa peça de mobília cuja finalidade fosse outra (como por exemplo, uma poltrona); e, por último, colocar o rádio dentro de um estojo, dando a noção de um futuro melhor. Voltando aos dias de hoje, apercebemo-nos que o ser humano já está tão familiarizado com este objecto que ele até se encaixa no nosso carro.

Indubitavelmente, outro objecto que prova que o design também tem como objectivo a mudança dos produtos em função das necessidades das pessoas é o telemóvel. É em 1876 que Alexandre Graham Bell patenteia o telefone - pesado, grande e imóvel. Na década de 70 efectua-se a primeira chamada móvel, com um telemóvel que custava cerca de 4000 dólares e pesava quase 1kg.
Hoje em dia, a situação é muito diferente. Em termos de design, os telemóveis passaram a ser objectos muito mais leves - aliás, são raras as pessoas que ainda usam telefones fixos -, são pequenos, de forma a caber no bolso ou na mala e têm muitas mais funcionalidades, que têm sido aperfeiçoadas ao longo dos últimos 15 anos. Para além disso, é conseguimos comprar um telefone a menos de 100 euros. Estes são exemplos em que o design surge aliado à evolução tecnológica.

Por outro lado, os fabricantes do século XVIII optaram por retomar estéticas comuns do passado para superar a “resistência à inovação”. Apesar de muitos autores sustentarem que é errado dar aos objectos formas que não pertençam a eles próprios, tal como fizeram com o rádio nos anos 20 e 30, este não foi um julgamento que contribuiu para a história do design. Obviamente, não é por um rádio ser um rádio, que terá de ser iguais a todos os existentes, ou seja, os rádios não têm de ser todos estritamente iguais. “A fim de compreender o design, devemos reconhecer que os seus poderes de disfarçar, esconder e transformar foram essenciais para o progresso das sociedades industriais modernas”. É no seguimento deste conceito que os fabricantes do século XVIII recorrem a um modelo arcaico e recuperam a arte e o design, a pureza de forma e expressão que estavam em falta no rococó, na primeira metade desse século. É assim que surge o neoclassicismo e o renovado interesse pela cultura da Antiguidade Clássica, como solução para que as pessoas se sentissem à vontade com o progresso. Este estilo foi adaptado de forma a que a mudança não se torna-se tão radical e fosse tomada como algo mais subtil, com o objetivo de “enganar” o senso cronológico dos consumidores, para que conseguissem lidar mais facilmente com as inovações da época. 

O autor destaca Wedgwood (1730-1795), avô materno de Charles Darwin, e apresenta-o como o mais bem-sucedido ceramista. A construção e decoração de casas no estilo neoclássico pedia relíquias e antiguidades que combinassem com a tendência. Porém a escassez de peças verdadeiras impulsionou as vendas de Wedgwood. Entre as várias razões do seu “sucesso incomum” estavam as técnicas  criativas de marketing, a racionalização dos métodos de produção mas, especialmente, a sua particular preocupação em produzir objectos com qualidade muito superior aos dos outros ceramistas e a grande importância que dava à aparência dos seus artigos. Posteriormente, foi a adesão ao neoclassicismo que transformou Wedgwood num ceramista mais comum. A publicidade, por vezes claramente enganosa, por afirmar que usava técnicas esquecidas do neoclássico - nas quais apenas se inspirava, pois a técnica tinha sido inventada por ele - serviu perfeitamente para disparar a venda dos seus produtos, ao ponto de até mesmo a rainha da Inglaterra lhe encomendar. No entanto, manteve-se o “líder do gosto de vanguarda”.

Este ceramista remete-nos para a Apple que, por um lado, se preocupa com a qualidade de todos os seus produtos e, por outro lado, tem muito em conta a sua aparência, ou seja, o seu design. E ainda que muitas das outras marcas se tentem aproximar do design, por exemplo, dos iPhones, a Apple continua líder. Para além disto, sabemos que os produtos desta marca não são assim tão melhores do que os das restantes mas os valores que pedem são muito mais elevados e mesmo assim continuamos a comprá-los, principalmente devido ao bom marketing e ao design dos produtos - tal como acontecia com Wedgwood.

Mais direcionado para o tema central - o progresso -, outro autor que aborda também este tema é Paúl Virilio. Ele fala sobre a poluição das velocidades, relativa à da relação entre o homem e o progresso rápido das tecnologias. De um ponto de vista, o ser humano anseia essa mesma evolução, porém, muitas vezes retrai-se perante ela, tal como Andrian afirma no início do capítulo Imagens de Progresso.

Atualmente, as pessoas estão mais adaptadas às mudanças que vêm com o progresso, mesmo que inserir completamente um objecto na sociedade ainda leve o seu tempo. No entanto, nos dias de hoje, seguimos a imagética do design de forma utópica, isto é, o design é pensado tendo em consideração uma estética futura.

Assim, podemos concluir que o progresso, apesar de ter vindo a ser cada vez mais aceite pela sociedade, ainda envolve aspectos negativos e positivos, uns mais desejados que outros, e que o design o irá sempre acompanhar para tornar tudo mais agradável e atenuar os aspectos mais negativos.

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